Resumo Premiado Dica de Mestre

Congresso Aprender Criança – 18 a 20 de agosto de 2022

O que importa para a criança com Transtorno do Espectro do Autismo?
Narrativas sobre a construção de sentidos em Terapia Ocupacional.

Leila Maria Quiles Cestari¹; Valéria Helena Abreu²; Renata Ap Constantino³;
Taís Quevedo Marcolino.
1- Terapeuta ocupacional, Doutoranda em Terapia Ocupacional- Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), Especialista no Método Terapia Ocupacional
Dinâmica, Mestre em Ciências EERP-USP, Aprimoramento em Terapia
Ocupacional em Psiquiatria HCFMRP-USP.
2- Psicóloga (Unesp), Neuropsicóloga; Terapeuta Cognitivo Comportamental,
Especialista em Educação Especial.
3- Pedagoga com ênfase em Administração Escolar, Psicopedagoga Clínica, e
Especialista em Neuropsicopedagogia.
4- Professora Associada do Departamento de Terapia Ocupacional e do Programa
de Pós- Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São
Carlos.

Introdução: O Método Terapia Ocupacional Dinâmica (MTOD) foi criado por Jô Benetton a partir de estudos sistematizados sobre a prática clínica. O núcleo da intervenção no MTOD está na instauração e no manejo dos movimentos dinâmicos da relação triádica (terapeuta ocupacional, paciente e atividades). No MTOD, a(o) terapeuta ocupacional segue o paciente em seus interesses, facilitando experiências que permitam descobertas e oferecendo possibilidades de ampliação de atividades. Além disso, o MTOD propõe um processo contínuo de construção do diagnóstico situacional (não classificatório, mas analítico-descritivo, que incorpora observações do fazer do paciente e da análise sobre esse fazer e informações de familiares, da equipe escolar e da saúde e, se necessário, avaliações protocolares para análise de déficits). Tal diagnóstico tem por objetivo conhecer a forma singular do paciente ser, fazer e se relacionar, possibilitando identificar suas necessidades e desejos em busca da ampliação do cotidiano, dos espaços de saúde e da inserção social. Para conhecer o paciente e permitir a ele se conhecer – para potencialmente ser reconhecido – o MTOD possui uma técnica nomeada Trilhas Associativas. Trata-se de uma técnica de construção de sentidos, que permite avaliação e análise constante do processo, identificação de potencialidades e dificuldades, qualificação do que é saudável e significativo em um espaço de historicidade, a partir do que foi vivido na relação triádica. A técnica possui algumas etapas: selecionar as atividades realizadas, agrupá-las por associações e nomear tais grupos, e conversar sobre elas – em um processo dinâmico, no qual novos agrupamentos podem ser feitos. Nesse processo, terapeuta ocupacional e paciente dialogam buscando reconhecer potências e limites de modo singular, operando, muitas vezes, enfrentamentos ao que é esperado normativamente. Objetivos: Apresentar a técnica Trilhas Associativas relatando o significado construído pelo paciente sobre o que foi vivenciado nas sessões de Terapia Ocupacional e demonstrar a importância desta construção para analisar a evolução de uma criança. A metodologia utilizada foi o estudo de caso único, com uma criança do sexo masculino (nome fictício M.) com seis anos de idade, atendida em consultório particular de terapia ocupacional há 18 meses e diagnosticada com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Seu diagnóstico situacional era: criança com habilidades cognitivas preservadas, aprendeu a ler e escrever com quatro anos, interesse por atividades gráficas, repertório de atividades e brincadeiras reduzidos a um único tema (abelhas), com dificuldades para flexibilizar e regular emoções, estar com o outro e construir relações sociais. A coleta de dados aconteceu em novembro de 2020, por meio da técnica trilhas associativas. Resultados: Nas primeiras atividades realizadas, M. desenhava, construía, pintava e imitava abelhas, a terapeuta ocupacional iniciou uma pintura de um peixe ao lado de M., provocando sua curiosidade. Ele se aproximou de forma espontânea, saindo do seu universo particular para o início da relação triádica. Novos personagens surgiram, ora escolhidos pelo paciente, ora pela terapeuta, até M. desejar escrever o primeiro livro sobre outros animais. Com essas novas descobertas, outras foram sendo possíveis, incluindo a terapeuta ocupacional, como alguém que poderia ensinar e se relacionar. Várias atividades foram realizadas: pinturas, slimes, dobraduras, novos livros. Para a terapeuta ocupacional era evidente a construção de espaços de saúde em seu cotidiano. E para a criança, o que estava sendo significativo? Nas Trilhas Associativas, M. escolheu algumas atividades e agrupou-as em quatro grupos: Grupo 1, “Torre Eiffel” (dobradura, pintura, desenho e chaveiro, todos da Torre Eiffel); Grupo 2, “Nemo e Dory” (dois livros sobre Nemo e Dory); Grupo 3, “Espaço” (construção do Sistema Solar e de um livro de sua autoria e ilustração sobre a importância da Terra); o Grupo 4, “Mais” (estátua da liberdade, circuito das bolas e matrioskas). Assim, iniciou-se o espaço para construção de narrativa. A terapeuta ocupacional perguntou a M. os sentidos daqueles agrupamentos, e para cada grupo, M. pode contar: “Este é o que mais tem atividades, quando eu fiz esses negócios eu estava encanado com todos os monumentos, tem momentos que eu encano muito com algumas coisas e eu fico muito tempo encanado” (Grupo 1); “esse grupo é porque foram os primeiros livros que comecei a fazer” (Grupo 2); “essas atividades foram para enfrentar o medo que eu tinha da chuva e porque aprendi sobre as plantas e o espaço” (Grupo 3); e “esses ficaram sozinhos, e não é bom ficar sozinho” (Grupo 4). A cada explicação a terapeuta ocupacional auxiliou-o na ampliação da reflexão, por exemplo, conversando sobre quando ele era “encanado com as abelhas” e a possibilidade de mudanças quando ele se permitiu conhecer coisas novas, sobre as estratégias utilizadas em seu cotidiano para “desencanar” do seu hiperfoco, valorizar seu aprendizado e sua criatividade ao criar histórias e ilustrá-las em seus livros, flexibilizar quando é necessário alterá-las; sobre seus medos e sentimentos e sobre o que podemos fazer ao senti-los em relação ao outro. Conclusões: M. no primeiro agrupamento relatou um sintoma, o hiperfoco, e o quanto era difícil transitar por outros temas quando sua atenção está inteiramente em um único objeto. Ao dialogar sobre esse tema, provocados pelas atividades realizadas, foi possível ajudá-lo a tomar consciência das novas construções que ele já havia feito. Ao narrar sobre a construção dos primeiros livros, M. reconheceu sua potência, despertando o desejo e encontrando valor social, ao segui-lo neste desejo, foi permitido a ampliação e criação de espaços de saúde com criatividade e sentido para a criança. A equipe escolar reconheceu melhora da escrita, organização espacial e visual, controle inibitório e habilidades sociais. As necessidades são reconhecidas e narradas. M. relatou sobre seus medos, especificamente o da chuva e as estratégias para enfrentá-lo, sendo ensinado a reconhecer, nomear e agir quando sente. E por último M. convidou a refletir sobre o quanto é ruim sentir-se sozinho, explicitando a necessidade gritante por inclusão. Implicações do estudo: Ao apresentar Trilhas Associativas, técnica do MTOD, é possível refletir sobre o cuidado oferecido às crianças com TEA, demonstrar a evolução com relação às funções executivas, comunicação e habilidades sociais respeitando os desejos e necessidades e compreendendo que elas podem narrar suas histórias vividas na Terapia Ocupacional, encontrando sentido e significado.

Palavras- chaves: Trilhas Associativas, Método Terapia Ocupacional Dinâmica,
Criança, Transtorno do Espectro do Autismo.